A proteção aos autores de obras artísticas e literárias não é de hoje. Em 14 de Julho de 1967, na cidade de Estocolmo, foi assinada a Convenção que instituiu a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), seu objetivo era conceituar propriedade intelectual, estabelecendo diretrizes tanto no âmbito nacional, como no internacional.
A primeira demanda no cenário internacional que mostrou a necessidade de tutela da propriedade intelectual ocorreu na Cidade de Viena, na Áustria, em 1873 quando expositores se recusaram a participar de um salão internacional de invenções por medo de que outros expositores pudessem copiar suas ideias e usá-las em seus países.
O incidente mostrou que deveria haver proteção aos criadores de obras artísticas e literárias no cenário internacional, além dele houveram outros incidentes ao redor do mundo que deixaram ainda mais clara a necessidade dessa proteção internacional e também no cenário nacional, pois muito países não tinham uma legislação protetiva, ou quando tinham era extremamente rasa.
A Convenção de Berna, em 9 de setembro de 1886, representou marco histórico, pois foi a primeira norma internacional estabelecendo proteção à propriedade intelectual.
Partíamos de um período onde preocupava-se apenas com a proteção da obra em si, enquanto mercadoria, para o entendimento de que os criadores de uma obra deveriam ser protegidos quanto à sua criação.
O Brasil apenas internalizou a Convenção de Berna através do Decreto n° 75.699, em 6 maio de 1975, porém o assunto já era tratado no em nosso ordenamento jurídico muito antes disso.
O mestre Antônio Chaves organizou a história legislativa do direito autoral no Brasil em 3 fases, sendo a primeira fase iniciada em 1827. Em todas as fases é possível visualizar a vedação da transmissão da autoria da obra.
Posteriormente, vimos a continuidade dessa ideologia protetiva. Nesse sentido temos a relevante doutrina dos mestres Pedro Paranaguá e Sérgio Branco quando nos ensinam que:
“…os princípios mais elementares das leis de direitos autorais vedam a transmissão da autoria da obra, independentemente do meio pelo qual se dá a cessão…”
(Direitos autorais. Pedro Paranaguá e Sérgio Branco, pg. 14.).
A ideia de proteção estava bem explícita, mas havia a necessidade de uma lei, genuinamente, brasileira que sistematizasse essa proteção, de maneira condizente com a realidade do Brasil, e a Lei n° 9.610/98 foi realmente significativa pois formalizou essa ideologia protetiva no cenário interno. Vejamos que o art. 7°, inciso I, traz que:
“São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro…”.
É verdade que na época de criação da Lei n° 9.610/98 não existiam shows de stand up, característicos por seus textos elaborados que divertem as pessoas, mas o legislador se antecipou a sua chegada quando classificou como obra intelectual digna de ser protegida a criação do espírito. E o que seria tal criação do espírito? No caso em tela, pode-se traduzir na criatividade e interpretação das mais diversas situações, do dia-a-dia das pessoas, pelo humorista.
Tais artistas de maneira genial conseguem fazer com que situações comuns como pegar um ônibus, estar em uma fila ou mesmo uma viagem de avião se transformem em um verdadeiro espetáculo.
Além disto, a parte final do dispositivo citado reafirma a antecipação do legislador quanto ao quesito temporal, vejamos: “…conhecido ou que se invente no futuro…” não restando dúvida quanto a contemporaneidade da norma em relação ao formato stand up de apresentação.
Continuando, no dispositivo legal citado vemos que exige-se um meio para manifestar tal criação do espírito e que meio seria este quando falamos das piadas de um humorista especializado em stand up? Em um primeiro momento o próprio texto escrito e posteriormente a apresentação pelo artista de tal texto, seja no palco em frente aos seus espectadores ou via internet, por exemplo.
Isto posto, não resta dúvida de que a criação artística do humorista especializado em stand up encontra-se inteiramente amparada pela disposição legal.
Para enriquecer nossa argumentação não nos limitemos ao texto da lei, e vejamos a doutrina dos mestres Pedro Paranaguá e Sérgio Branco, quando apontam os requisitos para que o autor obtenha proteção dos seus direitos autorais.
O primeiro requisito seria a forma, ou seja, a obra deve pertencer ao domínio das letras, das artes ou das ciências. Neste tópico, poderia ser enquadrado no domínio das artes, pois temos uma apresentação teatral.
O segundo requisito seria a originalidade. Neste ponto a explicação brilhante dos autores espanta a confusão que poderia existir, pois as pessoas muitas vezes confundem originalidade com novidade absoluta, algo jamais visto, o que obviamente não é necessário. A originalidade seria na verdade uma ou várias características que diferenciam a obra do autor de uma outra pré-existente. Vejamos que uma novidade absoluta seria algo impossível, porque o material de trabalho do humorista são palavras, que às vezes podem ser ditas por pessoas comuns em situações comuns, mas é a genialidade expressa de maneira tão criativa dentro de um contexto que faz com que as piadas sejam únicas.
O terceiro requisito é a exteriorização, ponto já exposto quando destrinchamos o inciso I, do art. 7 da Lei 9.610/98 anteriormente no texto. Este é simples de visualizar porque é impossível proteger algo que só existe na mente do artista, é necessário externalizar de alguma forma.
Como requisito final temos a temporariedade, que nada mais é do que a duração da proteção do direito autoral. Sendo que, enquanto o autor estiver vivo seus direitos estarão tutelados (vitaliciedade), mas caso morra esses direitos serão transmitidos aos seus herdeiros por tempo determinado, e por fim caindo em domínio público.
Devemos visualizar que a proteção do direito autoral abrange duas vertentes. A primeira é o direito moral, que se relaciona com a questão existencial. A defesa da paternidade da criação, a qual como já exarado no texto, não pode ser disponibilizada jamais.
A segunda patrimonial, onde encontramos outros aspectos da criação, pois encara a obra como uma propriedade e sendo assim permite a disponibilidade deste aspecto da mesma, ou seja, o humorista pode ceder direitos sobre seus textos e piadas onerosas ou gratuitamente ou mesmo pleitear a cobrança pelo seu uso indevido.