Recuperação judicial do produtor rural

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Recuperação de empresas é meio judicial que tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo assim, a preservação da empresa, sua função social e o estimulo à atividade econômica, conforme art. 47 da Lei 11.101/05.

A premissa da RJ (Recuperação Judicial) é estimular a negociação entre devedor e credores, é criar um ambiente propicio para que se encontrem possibilidade de superação de uma crise.

Incide sobre o empresário e a sociedade empresária, conforme previsto no art. 1° da Lei 11.101/05. Sendo empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços, e empresária a sociedade que exerce atividade própria do empresário.

Dito isto, questiona-se: o produtor rural, que exerce atividade típica de empresário, é empresário para os fins legais?

Conforme o art. 971 do CC/02 o produtor rural não é empresário, e só passa a ser se, querendo, fizer o devido registro na junta comercial, caso não queira, então, não será. Nesse sentido, o enunciado 202 do CJF, III Jornada de Direito Civil “O registro do empresário ou sociedade rural na Junta Comercial é facultativo e de natureza constitutiva, sujeitando-o ao regime jurídico empresarial. É inaplicável esse regime ao empresário ou sociedade rural que não exercer tal opção.

É sabido que há exigência, na lei (regra geral), de que o empresário esteja exercendo a atividade empresarial, regularmente, por período maior de dois anos para requerer a RJ. Como fica a contagem desse prazo diante do produtor rural em sua peculiar situação? O STJ já havia firmado entendimento, e o advento da Lei 14.112/20, que modificou o § 2° do art. 48 da Lei 11.101/05, cravou, no mesmo sentido, que a lei não exige, para esses dois anos, atividade enquanto empresário. É permitido, portanto, ao produtor rural considerar, na contagem desse prazo, o período anterior ao registro, porque ele é considerado regular, afinal o registro não é obrigatório.

Entretanto, havia um problema trazido pelas mudanças citadas, anteriormente: A questão dos bancos e das trends. O banco sempre emprestou dinheiro para o produtor rural, confiando que, por não ser empresário, não pediria recuperação judicial. A segurança dos bancos sempre esteve no fato de que ao primeiro indício de crise, do produtor rural, poderiam executar o seu crédito, poderia ir atrás de fazer a primeira penhora. Agora, com a possibilidade de pedir RJ, concedida aos produtores rurais, o banco pode ser surpreendido e não estará mais tão seguro, perde a sua vantagem. Isso, sem dúvida, gerou muita confusão entre os anos de 2018 e 2019, mas prevaleceu o entendimento de que o objetivo é superar a crise em benefício de toda a coletividade que envolve o produtor rural, não somente dos bancos e as trends.

Petição inicial de RJ

A petição inicial de recuperação judicial será instruída conforme determinado no art. 51 da 11.101/05.

No entanto, o § 6°, inciso II, do art. 51 traz uma simplificação, para o produtor rural, no que tange as demonstrações contábeis, exigidas no II, do caput, do mesmo dispositivo.

A regra geral do caput exige demonstrações contábeis compostas obrigatoriamente de balanço patrimonial, demonstração dos resultados acumulados, demonstração do resultado desde o último exercício social, relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção, descrição das sociedades de grupo societário, de fato ou de direito. Para o produtor rural basta o Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, a Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e o balanço patrimonial. Essa simplificação, sem dúvida, é um fator atrativo para que os produtores se registrem.

Como regra geral, se submetem à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, conforme art. 49 da lei 11.101/05. Porém não se submetem: a) as obrigações a título gratuito (art. 5°, inciso I, da Lei 11.101/05); b) as despesas que o credor fizer para tomar parte na recuperação judicial, exceto custas judiciais decorrentes de litigio com o devedor (art. 5°, inciso II, do mesmo dispositivo); c) créditos de natureza tributária (art. 187 do CTN); d) as “travas bancárias”, chamadas assim porque em regra são emitidas por bancos, por exemplo: cessão fiduciária, arrendamento mercantil, compra e venda com reserva de domínio, compromisso de compra e venda irretratável (Prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais. Entretanto, não se permite que, durante o prazo de suspensão de 180 dias, ocorra a venda/retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial); d) os direitos reais em garantia (Cuidado! Não os confunda com os direitos reais de garantia, os quais são inclusos na RJ, como, por exemplo, o penhor, anticrese e a hipoteca); e e) peculiaridades do produtor rural.

Já dissemos que se submetem à recuperação judicial os créditos existentes na data do pedido vencidos ou vincendos. Porém, no caso do produtor rural somente estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que decorram, exclusivamente, da atividade rural e estejam discriminados dos documentos a que se referem o § 3° do art. 48, ainda que não vencidos

Observemos, atentamente, o texto legal do art. 49, § 6°, da Lei 11.101/05. “Nas hipóteses de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 48 desta Lei, somente estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos a que se referem os citados parágrafos, ainda que não vencidos. “

Esse é, sem dúvida, um ponto muito sensível. Digamos que determinado produtor rural adquire empréstimo para comprar um iate, e não paga esse empréstimo, esse crédito não vai entrar na recuperação judicial. Por outro lado, se o produtor rural adquire empréstimo para comprar sementes e adubo, e também não paga, tal crédito se submete à recuperação judicial.

O dispositivo ainda fala que os crédito para se sujeitarem a RJ devem estar discriminados nos documentos. Há um problema nisto, pois o produtor rural em RJ pode, por exemplo, não discriminar, nos instrumentos contábeis, um crédito de fornecedor que é seu amigo íntimo ou com o qual tenha feito um acordo, para que tal crédito fique de fora da recuperação. Utilizando-se do permissivo legal para gerar um mecanismo de fraude.

Alguns juristas ilustres, como Marcelo Sacramone, não veem com bons olhos os rumos que a recuperação judicial está tomando, pois segundo eles há uma clara tendência de proteger certos credores em detrimento de outros. Ainda que essa não tenha sido a intenção do legislador.

Além das exclusões previstas, na regra geral, a lei ainda exclui outros créditos da recuperação do produtor rural, vejamos:

1. Dívida dos cooperados com cooperativas (art. 6°, § 13, da Lei 11.101/05). “Não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados, na forma do art. 79 da lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, consequentemente, não se aplicando a vedação contida no inciso II do art. 2° quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica. ” Isto porque, supostamente, o contrato entre cooperado e cooperativa não é feito nas condições de mercado, é feito em uma condição favorável.

2. Recurso do crédito rural oficial (art. 49, § 8°, da Lei 4.829/65). “Estarão sujeitos à recuperação judicial os recursos de que trata o § 7° deste artigo que não tenham sido objeto de renegociação entre o devedor e a instituição financeira antes do pedido de recuperação judicial, na forma de ato do poder executivo. “ Aquele empréstimo carimbado pelo governo. O objetivo é proteger esse crédito de um grande deságio.

3. Financiamento, para compra de terra, contraído 3 anos antes do pedido de RJ (Art. 49, § 9°, da Lei 4.829/65). O objetivo, como no anterior, é proteger esse crédito de um grande deságio. “Não se enquadrará nos créditos referidos no caput deste artigo aquele relativo à dívida constituída nos 3 (três) últimos anos anteriores ao pedido de recuperação judicial, que tenha sido contraída com a finalidade de aquisição de propriedades rurais, bem como a respectivas garantias. “

4. Garantias cedulares – CPR (cédula de produtor rural) com liquidação física (art. 11, da Lei 8.929/94). “Não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os créditos e as garantias cedulares vinculados à CPR com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (barter), subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens que se encontrarem em poder do emitente da cédula ou de qualquer terceiro, salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto.” Terá bastante impacto no agronegócio, após derrubado o veto, que havia sobre à exclusão da CPR com liquidação física, pelo congresso.

Processamento da Recuperação Judicial

O art. 52 da Lei 11.101/05 nos diz que estando em termos a documentação exigida no art. 51, da mesma lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial. Não é diferente para o produtor rural, observadas suas simplificações.

O deferimento do processamento da recuperação judicial implica a suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta lei e a suspenção das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativa a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação e a proibição  de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial por 180 dias. É o chamado Stay Period, previsto no art. 6°, § 4º, da Lei 11.101/05. Lembrando que o aval e a fiança continuam a ser executados normalmente.

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