Primeiramente, é preciso desfazer alguns conceitos errados que são ensinados a respeito deste tema. E, para isto, precisamos buscar o que é o instituto do MoU na sua origem, e, posteriormente, como ele foi recepcionado no nosso país.
Na prática internacional, o MoU não é um pré-contrato, até porque um pré-contrato já é um contrato.
O MoU é uma negociação preliminar ao contrato. É a formalização de um acordo de cavalheiros, sem vinculação jurídica.
É, normalmente, uma etapa, em uma negociação em andamento, realizada para fixar os pontos já acertados e facilitar a negociação dos pontos ainda não acertados e, assim, chegar ao contrato.
Por exemplo, digamos que duas sociedades empresárias vão fazer uma negociação complexa. Trata-se de uma grande operação de trespasse, a qual se estende no tempo por meses ou anos, período no qual as equipes envolvidas passam por alterações de pessoal e gerencia, leis e decretos são editados, entre outras mudanças de cenário as quais influem na negociação. O MoU serve para registrar os pontos nos quais as partes já avançaram, a fim de evitar que uma negociação avançada volte à “estaca zero”. Serve, inclusive, para gerar um constrangimento moral, não jurídico, na contraparte para que ela não volte atrás.
No Brasil não existem previsão legal expressa desse instituto. Como também não existe nenhuma vedação de sua aplicabilidade. Assim, encontramos diversos casos concretos de sua utilização na prática empresarial.
Sobre o tema, doutrinadores relevantes, no cenário empresarial, já se manifestaram. José Edwaldo Tavares Borda ensina:
“Anote-se, portanto, que o protocolo não tem natureza de pré-contrato, posto que não obriga à conclusão do contrato. Trata-se, na verdade, de um acordo preparatório, com a natureza de simples negociação preliminar, como tal destituída de efeito vinculativo. O protocolo funciona como uma espécie de projeto sobre o qual deliberam as assembleias gerais”.
Entretanto, apesar dos ensinamentos do ilustre professor Tavares Borba, e de outros relevantes doutrinadores, os empresários e muitos operadores do direito foram, gradativamente, utilizando erroneamente desse instituto, tratando-o como se pré-contrato fosse.
O problema disto é que no direito brasileiro, conforme podemos verificar no art. 112 do CC/02, o nome que se dá a um determinado documento não tem importância alguma, mas sim o seu conteúdo. Vejamos:
“Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”.
Isto porque, na prática, é bastante comum que uma das partes contratantes, tente desqualificar a relação contratual, verdadeiramente, pactuada em favor de um tipo contratual menos oneroso ou mais favorável para si.
Daí o grande risco de não conhecer o instituto e, por causa de sua popularidade atual, querer utilizá-lo mesmo assim. Os clientes precisam entender que se buscam vinculação, então não querem um MoU. Precisam aprender a diferença entre MoU, pré-contrato e contrato definitivo para poder de maneira acertada e consciente escolher o que melhor se encaixa para aquele momento da relação negocial. Neste ponto a assessoria do advogado especializado em direito empresarial é fundamental, para que não hajam surpresas desagradáveis depois.
Baseado nesse entendimento, no Brasil, o Memorandum of Understanding (em português “Memorando de Entendimentos”, também conhecido como “carta de intenções” ou “protocolo de intenções”) poderia, mais do que um acordo de cavalheiros, ser um contrato? A resposta é sim. Se os elementos de um contrato estiverem presentes, será, inevitavelmente, um contrato.
Então, se houver definição de partes, objeto e preço, o MoU pode ser interpretado como decorrente da convergência de vontades e, portanto, como um contrato.
Se o MoU pode ser um contrato, também é possível que seja um pré-contrato? A resposta, também, é sim. Se contiver todos os elementos de um contrato formal, menos a forma, ele será um pré-contrato ou um contrato preliminar, conforme art. 462 do CC/02:
“Art. 462. O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado”.
É necessário ter cuidado, pois não é incomum sociedades empresárias que agem de má-fé usarem o MoU como instrumento para enganar parceiros comerciais em operações de M&A (mergers and aquisitions) em português “fusões e aquisições”. Chamam o documento definitivo (contrato) de MoU apenas para gerar um falso conforto de que a contratação não é vinculativa e, assim, fazem com que a contraparte aceite assinar o documento, sem maiores questionamentos.
Depois de assinado, impõem à contraparte a venda/compra tal como prevista no MoU, e a contraparte que acreditava estar em uma negociação preliminar se vê diante de uma situação extremamente delicada.
Outro exemplo de má-fé, bastante comum, é que, muitas vezes, as partes assinam um MoU, sabendo de seu significado e utilidade, não querendo a vinculação e quando a negociação não avança, a parte que ainda está interessada em celebrar o contrato tente impor a outra a obrigação de contratar, forçando o entendimento de que os documentos assinados se tratam de um contrato preliminar. Esse tipo de comportamento oportunista é especialmente propício quando lembramos que há doutrinadores que defendem a existência de uma “obrigação de renegociar”, que não tem previsão no direito brasileiro. Mas que deve ser objeto de nossa atenção e preocupação.
Por fim, conforme esclarecido, o MoU, no Brasil, por uma questão cultural e prática, muitas vezes, não é utilizado para a finalidade que foi criado originariamente. Alguns, inclusive, criticam a sua essência, criticam a existência de um documento que não cria qualquer vínculo jurídico.
Na grande maioria das vezes quando o cliente quer fazer um MoU, o que ele realmente quer é um pré-contrato ou até mesmo como contrato definitivo. Nosso aconselhamento é: tenha cuidado, e se puder não use esse instituto. Se usar tenha certeza de que o que está fazendo é mesmo um MoU ou estará fazendo um contrato que apenas leva o título de MoU.