Atualização legislativa e jurisprudencial

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Revogação do inciso IV do art. 1.033 do CC/02

O dispositivo supracitado era uma decorrência do art. 981 do CC/02, que é o artigo que dá início ao tratamento do direito societário no código civil e que utiliza a expressão “pessoas” no plural na hora de definir a sociedade.

A pluralidade de sócios era requisito essencial para constituição e manutenção de uma sociedade, e faltando essa pluralidade por motivo superveniente, pela interpretação do art. 1.033, IV, deveria-se reconstituir essa pluralidade no prazo de 180 dias sob pena de a sociedade ser dissolvida.

O PLV (projeto de lei de conversão) da lei 14.195/2021 alterava e revogava o código civil em diversos dispositivos referentes às sociedades simples, porque o objetivo era acabar com as sociedades simples. Toda sociedade seria empresária. Nesse combo de alterações, estava uma alteração no art. 981 do CC/02. O PLV alterava o artigo para deixar de usar a expressão pessoas no plural e passar a usar a expressão uma ou mais pessoas. O objetivo inicial era tornar a sociedade unipessoal parte da regra. Ocorre que as alterações que a lei 14.195/2021 faria no CC/02, as quais poriam fim às sociedades simples foram vetadas, dentre elas a citada mudança no art. 981 do CC/02. O art. 981 continuou com sua redação original.

Como não houve mudança, para que haja uma sociedade unipessoal, é necessária previsão de exceção expressa na lei. Esses são alguns casos: Subsidiária integral (251 da LSA); sociedade unipessoal de advocacia (art. 15 da 8906/94); e sociedade limitada unipessoal (§§ 1° e 2° do art. 1.052 do CC/02). A regra continua sendo a pluripessoalidade.

A sociedade em comandita simples (1.051, II, do CC/02) não foi impactada, pois não existe sem pluralidade de sócios e de categorias.

A sociedade por ações (art. 206, I, d, da Lei 6.404/76) também continua tendo que ter 2 sócios, no mínimo.

Então, a revogação do inciso IV, do art. 1.033 do CC/02 deixou um vazio, afinal, o que vai acontecer com a sociedade simples e a sociedade em nome coletivo se faltar a pluralidade?

Obs: Questiona-se sobre essas e não sobre as limitadas, porque as limitadas já não se submetiam ao inciso IV do art. 1.033 do CC/02, porque desde a lei de liberdade econômica elas podem ter 1 sócio só. Nas sociedades em comandita simples e nas sociedades por ações também não impacta, como já mencionado.

Existem 3 interpretações possíveis para o efeito da revogação do inciso IV:

1° O ilustre Sérgio Campinho diz que se aplica, por analogia, a regra do art. 206, I, “d”, da lei 6.404/76. Ele defende isto, justamente, pelo fato do art. 981 ainda prever em sua redação a expressão pessoas no plural. O professor André Santacruz corrobora esse entendimento.

2° Para o professor Pablo Arruda é o caso de uma irregularidade superveniente, então não seria o caso de dissolução pois o inciso IV foi revogado, mas a sociedade fica irregular, por causa do art. 981 do CC/02. E tal irregularidade deve ser sanada pelos sócios. Quando sanada, a irregularidade, terá 30 dias (art. 36 da lei 8.934 e também do art. 1.151 do CC) para registrar na junta.

A 3° interpretação diz que não haveria mais dissolução da sociedade em razão da unipessoalidade. Então a sociedade que ficar com apenas 1 sócio, pode ficar assim.

A discussão é abrangente, a revogação é um grande problema para os cartórios, pois as sociedades simples são registradas em cartório. Temos que ver como os cartórios vão reagir a partir de agora.

Execução fiscal contra empresa em recuperação judicial

Desde a edição da Lei 11.101/05 as execuções fiscais não se suspendiam pelo deferimento da recuperação judicial (art. 6, § 7°).

Iniciou-se uma construção de jurisprudência no STJ, no sentido de, apesar de não haver suspensão, a constrição dos bens deveria ser analisada pelo juízo recuperacional. O enunciado 74 das jornadas de direito comercial seguiram essa mesma linha da jurisprudência:

“Embora a execução fiscal não se suspenda em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial, os atos que importem em constrição do patrimônio do devedor devem ser analisados pelo juízo recuperacional, a fim de garantir o princípio da preservação da empresa”.

Na mesma linha o enunciado 8 da jurisprudência em tese do STJ: “O deferimento da recuperação judicial não suspende a execução fiscal, mas os atos que importem em constrição ou alienação do patrimônio da recuperanda devem se submeter ao juízo universal”.

Surgiu uma certa divergência entre a 1° e a 2° seção do STJ. A primeira seção (que tem um viés mais voltado para o direito público) tinha o entendimento pró-fisco, e autorizava a penhora. Já a segunda seção caminhava na linha do enunciado 74 e do enunciado 8: “Apesar de a execução fiscal não se suspender em face do deferimento do pedido de recuperação judicial (art. 6, § 7°, da Lei 11.101/05, art. 187 do CTN e art. 29 da lei 6.830/80), submetem-se ao crivo do juízo universal os atos de alienação voltados contra o patrimônio social das sociedades empresárias em recuperação, em homenagem ao princípio da preservação da empresa”. (CC 114.987/SP, relator ministro Paulo de Tarso Sanseverino, segunda seção, julgado em 14.03.2011).

Diante dessa divergência foi suscitada uma questão de ordem para corte especial. A corte especial do STJ, em 2012, em questão de ordem no CC 120.432, decidiu que a 2° seção é competente para julgar conflitos de competência que envolvam execuções fiscais movidas contra empresas em recuperação judicial. Esse entendimento foi reafirmado em 2019, no CC 153.998. As decisões da corte especial, por se referirem a conflitos de competência, não resolveram o problema, porque quando se tratava de recurso especial, ora eles eram distribuídos para as turmas de direito público, ora eram distribuídos para as turmas de direito privado.

A 1° seção, ignorando a orientação da corte especial, afetou, para ela mesma, em recurso especial repetitivo, o tema n° 987: “possibilidade da prática de atos constritivos, em face de empresa em recuperação judicial, em sede de execução fiscal de dívida tributária e não tributária”. E determinou a suspensão nacional de todas as execuções fiscais (há uma regra do CPC que quando há afetação, é possível determinar a suspenção).

Então, foi editada a lei 14.112/20 e ela revogou o art. 6°, § 7° e substituiu pelo § 7°-B. A partir daí a PGFN pediu a desafetação do tema n° 987, com o fim da suspenção nacional das execuções fiscais pendentes contra empresas em recuperação judicial, e o pedido foi atendido: “na verdade, cabe ao juízo da recuperação judicial verificar a viabilidade da constrição efetuada em sede de execução fiscal, observando as regras do pedido de cooperação jurisdicional (art. 69 do CPC) podendo determinar eventual substituição, a fim de que não fique inviabilizado o plano de recuperação judicial” (resp. 1.694.261)

A partir daí o STJ passou a demonstrar que queria se livrar do conflito de competência e criar uma jurisprudência defensiva. Então começaram a surgir decisões monocráticas do STJ dizendo que tem que haver cooperação entre juízo da recuperação e o juízo da execução fiscal, se não houvesse não haveria que se falar em conflito de competência. Até que recentemente com base no § 7°-B, do art. 6°, a 2° seção do STJ, no CC 181.190, decidiu que o deferimento do processamento da RJ, realmente, não suspende a execução fiscal, e o juízo desta pode dar seguimento normal ao feito, inclusive determinando atos constritivos. Informada essa constrição ao juízo da RJ, pelo juízo da execução fiscal ou pela própria recuperanda, cabe a ele analisar se a constrição recaiu sobre bem de capital essencial e determinar a sua substituição, se for o caso. Tudo isso deve ser feito com base na cooperação jurisdicional prevista no CPC, e somente caberá suscitar conflito de competência ao STJ se tal cooperação não lograr êxito.

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